quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

EDUCAÇÃO ESPECIAL E GESTÃO: AACD

VIA PORTAL NASSIF

A gestão da AACD


Da Época São Paulo
As estratégias do voluntário que transformou a gestão da ONG sem depender só de doações – e o que ele faz para ensinar a sociedade a conviver melhor com os deficientes
Vida Urbana - eduardo duarte zanelato • fotos daniela toviansky - 27/12/2011 
ALMOÇO DE TRABALHO Eduardo de Almeida Carneiro, de 58 anos, com Maria Clara Silveira da Costa, de 7, no Gero do Iguatemi, onde ele reserva uma mesa central para almoçar a cada semana com uma criança atendida pela ONG
É sexta-feira, hora do almoço. Um homem barbado, grisalho e bem vestido conversa com uma garota sorridente numa das mesas no meio do salão do Gero Caffé, restaurante do Grupo Fasano que funciona dentro do Shopping Iguatemi. A menina se chama Maria Clara da Costa, tem 7 anos e nasceu sem o antebraço direito. Embora ela não pareça sentir falta do membro, a ausência dele desperta olhares de piedade e desconforto em parte da clientela à sua volta. O homem que a acompanha é Eduardo de Almeida Carneiro, 58 anos, dono da incorporadora imobiliária Almeida Carneiro Comércio e Participações e, há quase seis anos, presidente voluntário da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Desde 2010, ele almoça semanalmente no Gero Caffé com um dos jovens assistidos pela ONG. “Quero que as pessoas os vejam com naturalidade”, diz. “Se a deficiência não é um problema para a criança, por que haveria de ser para os outros?”
p>Esse esforço de conscientização por meio de atitudes chocantes se assemelha a outro choque, o de gestão, que o empresário implantou na entidade. O engajamento social entrou em sua vida após uma traumática experiência em 1998. Vítima de sequestro, ele passou três dias em cativeiro até conseguir fugir. O episódio o fez mudar para Miami, onde viveu por dois anos com a mulher e os três filhos. “Comecei a ver as coisas de uma outra forma”, afirma. “Cheguei à conclusão de que quanto mais braços temos, mais devemos ajudar os outros.” De volta ao Brasil, começou a participar como voluntário na AACD, em 2001, assumindo a presidência cinco anos depois. Recentemente, a ONG fundada há 61 anos começou a dar lucro. Sua estrutura lembra a de grandes corporações, com um CEO e oito vice-presidentes abaixo de Carneiro.
A reestruturação proposta por ele foi acatada pelos 119 membros do conselho administrativo, formado em sua maioria por líderes de grandes grupos empresariais. Os resultados não decepcionaram. Entre 2006 e 2011, a organização atendeu 280 mil pessoas por ano apenas em sua sede. E teve o orçamento quase triplicado, de R$ 80 milhões para R$ 220 milhões. “De vez em quando ele atropela determinadas práticas, e isso, do ponto de vista da cultura hierárquica, assusta um pouco alguns setores”, afirma Horacio Lafer Piva, de 54 anos, presidente do conselho da AACD. “Mas ao longo do tempo conseguiu atingir os objetivos e todo mundo aprendeu a conviver com as idiossincrasias dele.”
Entre 2006 e 2011, a AACD atendeu 280 mil pessoas por ano em sua sede
e o orçamento cresceu de R$ 80 milhões para R$ 220 milhões
PASSEIO PÚBLICO Carneiro anda pelo shopping com Yezza Sousa, de 14 anos, com próteses nas pernas. Ele acredita que assim ajuda as pessoas a aceitar melhor os deficientes
Descentralização 
Em janeiro de 2012, o processo de descentralização que tornou possível o aumento do número de atendidos será reforçado, com a inauguração de duas novas unidades regionais: uma em Santana, na Zona Norte, e outra em Campo Grande, na Zona Sul. Elas se somam às já existentes na Mooca (aberta em 1972) e em Osasco (inaugurada em 2003). Há ainda a sede na Vila Clementino, na Zona Sul, por onde passam 1,8 mil pacientes todos os dias. Em novembro, a entidade ampliou sua atuação para a Vila Mariana. Num processo incomum entre ONGs, o Lar Escola São Francisco deixou de existir para ser incorporado pela AACD – esta herdou as dívidas e agora cuida dos 500 pessoas que antes se tratavam naquele centro de reabilitação. A fusão foi idealizada e conduzida ao longo de dois anos por Carneiro, cujo argumento central é o fato de ambas estarem próximas uma da outra e prestando serviços parecidos.
A estabilidade financeira que permitiu à AACD absorver outra instituição se deve em parte ao atual modelo pragmático de gestão. Após assumir o cargo, o presidente voluntário passou a analisar o desempenho de cada uma das áreas como se fossem unidades de negócio – todas com a obrigação de dar lucro ao fim de cada ano, ou de no mínimo bancar os próprios gastos. Foi o que ocorreu com o Hospital Abreu Sodré, localizado junto à sede na Vila Clementino. Com o aumento de consultas particulares, o hospital saiu do prejuízo (R$ 1,5 milhão, em 2005) e deve fechar 2011 com lucro de R$ 9,6 milhões. Assim, se reduz a dependência do Teleton, campanha do SBT que gera uma média de R$ 25 milhões em donativos a cada edição.
A princípio, o modelo empresarial encontrou resistência entre as mães dos assistidos. O momento mais tenso se deu no início de 2006, quando Carneiro decidiu fechar a escola dos pacientes que funcionava junto à sede. Os alunos foram deslocados para três escolas da rede pública nos bairros da Mooca, Santana e Alto de Pinheiros. “Não queria nossas crianças estudando num ambiente com macas, segregadas da sociedade”, diz. Em protesto, os muros da ONG amanheceram pichados: “O presidente da AACD quer colocar nossas crianças na rua”. Numa reunião para acalmar os ânimos, ele foi mais direto que conciliador: sugeriu que as mães insatisfeitas levassem seus filhos dali. Resignadas, elas entenderam o recado. “No começo, fui apelidado de ‘Homem de Lata’, por causa do personagem que acreditava não ter coração, em O mágico de Oz”, diz. “Mas quem já leu o livro sabe que ele tem coração sim.”
O pulso firme e o perfeccionismo de Carneiro ficam evidentes no dia a dia. Sua jornada de trabalho sempre começa por uma vistoria de 45 minutos às dependências da organização. Quer conferir pessoalmente se o prédio está bem conservado e se o atendimento flui bem. No dia 3 de outubro, uma segunda-feira em que Época SÃO PAULO o acompanhou, ele se irritou com a falta da letra “j” no painel Sejam Bem-Vindos – um reparo que já havia sido pedido uma semana antes. Por telefone, cobrou novamente o responsável pela área de manutenção. Mal ouviu a justificativa e retrucou, ligeiramente alterado: “Mas não tem de pedir, tem de mandar”. Desligou sem se despedir e seguiu seu trajeto.
Como forma de aplacar a ansiedade que lhe é peculiar, Carneiro planeja minuciosamente o futuro. Desde outubro, a consultoria Avention trabalha para estabelecer prioridades de investimento e definir metas da AACD até 2016. O atual presidente fez questão de incluir na agenda de seu sucessor alguns objetivos nada modestos. Para consolidar a ONG como referência na recuperação de deficientes, quer trazer uma faculdade para a sede da entidade e criar ali um polo de formação de médicos fisiatras e fisioterapeutas. E almeja ainda criar um centro de pesquisa médica e outro de reabilitação para esportistas, usando a experiência de seus especialistas.
A fim de viabilizar planos como esses, o conselho criou um fundo de endowment (dinheiro da instituição aplicado para gerar rendimentos destinados ao seu próprio orçamento). Quando houver R$ 250 milhões investidos nele, a autossuficiência financeira da organização estará assegurada. É esse o sonho mais ambicioso de Carneiro. Deverá ser alcançado em 2016 e, assim, propiciar que a espera por procedimentos mais complexos comece a cair gradativamente. Hoje, ele ainda ouve nos corredores histórias de pacientes que esperaram mais de dois anos por uma cirurgia corretiva. A seis meses do término de seu mandato, alega não ter tempo para pensar no que fará depois de deixar a presidência, em abril de 2012. Por ora, há sempre uma letra fora de lugar – ou uma criança esperando mais tempo do que deveria para ser atendida.
Cada área da ONG é vista como se fosse uma unidade de negócio, com obrigação
de dar lucro ou no mínimo bancar os próprios gastos

ALÉM DO TELETON O presidente voluntário numa sala de fisioterapia na sede da AACD, na Vila Clementino. Ele diminuiu a dependência das doações e quer garantir a autossuficiência da ONG até 2016

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