sábado, 25 de agosto de 2012

IDEB E O DEBATE SOBRE O ENSINO MÉDIO

Publicado na Folha de São Paulo

Opinião

TENDÊNCIAS/DEBATES
As matérias do ensino médio devem ser reorganizadas em núcleos?


SIM


Evitar a dispersão é uma das mudanças
MOZART NEVES RAMOS

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da EducaçãoBásica (Ideb), apresentados na última semana pelo Ministério da Educação (MEC), mostraram definitivamente que não há mais tempo a perder em relação ao atual Ensino Médio.

Uma reforma estrutural urgente precisa ser feita, pois o país está há dez anos simplesmente estagnado nessa etapa, e o pior, num patamar de aprendizagem escolar muito baixo. O propalado ensino médio inovador, lançado há alguns anos pelo próprio MEC, disperso e sem foco, não mostrou a que veio.

O MEC, numa primeira reação, aponta como saída a reorganização das disciplinas por áreas de conhecimento -um caminho que julgo correto-, evitando assim a grande fragmentação e dispersão dos atuais conteúdos transmitidos no ensino médio.

Hoje, o jovem termina essa fase escolar sabendo um pouco de cada matéria, sem um direcionamento para a área em que possa ter mais interesse, que faça mais sentido para sua vida. Entender as relações que existem entre as diversas disciplinas é imprescindível para que o jovem, que nessa fase já tem tantos outros interesses alheios ao estudo, veja sentido no que aprende na escola para sua vida, para seu futuro.

Mas isso não é suficiente para o tamanho do problema dessa etapa.

A formação do professor é um ponto imprescindível para colocar em prática um modelo de interdisciplinaridade, sempre com foco na prática de sala de aula. Sem mudar essa formação, nenhum modelo de ensino médio terá êxito. A criação de uma residência docente, por exemplo, seria muito bem-vinda.

Precisamos trabalhar fortemente pela ampliação da oferta de escolas de tempo integral, como os pró-centros iniciados em 2005 em Pernambuco, cujos professores são alocados em uma única escola, com tempo para planejar as aulas com os colegas da mesma área de conhecimento, colocando em prática essa interdisciplinaridade. Na escola de tempo integral cabe a eventual oferta de educação profissional e tecnológica, integrada ao ensino regular.

É preciso reconhecer também que o problema do ensino médio tem começado já nas séries finais do ensino fundamental, tornando urgente estabelecer uma base curricular comum para as escolas estaduais e municipais, já que ambas oferecem essa etapa da educação básica.

Seria interessante integrar melhor o 9° ano do ensino fundamental e o 1° ano do ensino médio, a fim de criar uma base comum preparatória para a formação do jovem, enquanto os dois últimos anos seriam dedicados à formação mais específica, de acordo com os interesses de cada jovem.

A plena incorporação das novas tecnologias e culturas nesse processo também é essencial para esses jovens do século 21. O Brasil tem hoje uma escola do século 19 e um professor do século 20 para um aluno do século 21!

E, por fim, para que todos esses pontos avancem, são necessários mais recursos, melhor gestão e vontade política; é preciso estabelecer com os Estados um pacto nacional pela escola dos jovens, aproveitando algumas (poucas é verdade, caso contrário o país não estaria nessa situação) boas experiências em curso.

É preciso olhar não só a ponta do iceberg, mas todo ele, para que, enfrentando devidamente os problemas do ensino médio, o Brasil não repita na próxima década os baixos resultados apresentados nos últimos anos para essa etapa.

MOZART NEVES RAMOS, 57, doutor em química pela Unicamp, é professor da Universidade Federal de Pernambuco, membro do Conselho Nacional de Educação e do conselho de governança do Todos Pela Educação
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneodebates@uol.com.br


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NÃO

Precisamos de mais ciência, não de menos
CELSO PINTO DE MELO

Os resultados recém-anunciados do Ideb trazem à atenção dos brasileiros a trágica realidade de nossas escolas nos níveis fundamental e médio. Os números ali refletidos ferem a nossa autoestima e, por alguns dias, a educação vira alvo de atenção nacional. Debate-se, critica-se, surgem ideias milagrosas e, logo, o tema volta ao esquecimento, para ressurgir com sazonalidade esperada quando do anúncio de novos indicadores.

Porém, mais que seu valor absoluto, o que importa nos números é o que eles nos querem dizer, e o que com eles queremos fazer. Quando os espelhos nos dão conselhos, podemos trocá-los por outros mais generosos. Ou podemos enfrentar a dor de sermos o que somos e, a partir daí, melhorarmos.

Há de se reconhecer que a tragédia da educação não corresponde a um acidente de percurso, sendo antes "obra de séculos" de descaso. A escola pública de excelência dos anos 1940 e 1950 era limitada a uma fatia privilegiada de nossa população. A grande novidade da educação brasileira no século 21 é democratização do acesso.

Só recentemente conseguimos a universalização do ensino fundamental, e progressos também estão sendo alcançados com relação ao médio. A imagem estática do espelho não pode refletir a dinâmica de um processo em evolução.

Não que isso deva nos acomodar. Somos hoje a quinta maior economia do mundo, mas, quando comparados internacionalmente a outros jovens de 15 anos, nossos adolescentes ocupam os últimos lugares em compreensão da linguagem e conhecimentos em matemática e ciências. Isso nos diz muito a respeito do tipo de preparação que estamos lhes dando para sua futura inserção no mercado de trabalho.

É por essa razão que a Sociedade Brasileira de Física (SBF) vê com profunda preocupação a proposta de substituição de disciplinas específicas de física, química e biologia por algo a ser chamado de "ciências da natureza".

Mesmo se relevarmos as questões sobre como formar professores em número suficiente e com a qualidade necessária para ministrar essa nova "disciplina", entendemos ser frágil e equivocada a justificativa de que isso levaria a melhores índices do Ideb. O Brasil mais justo, soberano e economicamente competitivo que todos nós imaginamos precisará de mais, e não de menos, ciência.

É urgente uma reforma no currículo do ensino fundamental e médio para que as ciências se tornem mais adequadas à realidade dos jovens de hoje. Todos eles devem ter o direito de experimentar a excitação da descoberta de como a natureza funciona e de entender suas leis mais gerais. O cidadão funcional deste século precisará saber integrar o conhecimento de várias áreas para poder tomar decisões em assuntos como saúde e segurança ambiental, consumo responsável, usos da biotecnologia etc.

Para aqueles que decidirem seguir carreiras nas áreas de ciência e tecnologia, o que temos de fazer é reforçar o conteúdo mais moderno nas disciplinas correspondentes e estimulá-los aaprender fazendo. A competitividade da economia brasileira vai depender de nossa habilidade de formar quadros técnicos capazes não apenas de fazer, mas também de continuar a aprender em sua vida profissional.

Os indicadores do Ideb nos causam dor. Podemos negar a imagem por eles refletida ou, com coragem, enfrentar o problema. A SBF se coloca à disposição para discutir a questão e colaborar com a construção de uma nação moderna.

CELSO PINTO DE MELO, 61, doutor em física pela Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, é professor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF)
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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